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A retórica do essencial e a do não essencial


Eu sou aposentado e pertenço ao grupo de risco. Posso passar 24 horas em casa. Mas preciso comer e ir à farmácia e em muitos outros lugares. Na semana passada falei para a minha filha para não esquecer comprar manteiga. Na minha alimentação deve ter pouco sal e por isto compro uma determinada marca sem sal. Ela foi e falou que ainda não tinha a manteiga que consumo. No início desta semana e hoje ela me falou a mesma coisa. A manteiga está em falta. Vocês poderão dizer que esta manteiga não é produto essencial. Com muita razão. Estou vivendo há duas semanas sem comer a manteiga que gosto muito de passar no meu pão. Mas o que é essencial para mim não é para todo mundo. Têm toda razão. No entanto eu não sou o único que consome esta manteiga e é por isto que ela está faltando na prateleira do supermercado. É o que os economistas chamam de demanda.

Vamos partir do caso da minha manteiga e imaginar os processos que a manteiga passa desde o ubre da vaquinha até a minha mesa. Vou falar o óbvio. Desenhar, como se costuma dizer. Como a matéria prima da manteiga é o leite, então vem do ubre de uma vaquinha. Esta vaquinha tem que ser bem tratada para produzir um bom leite: boa alimentação, capim saudável, e por aí vai. Para que o capim seja saudável precisa de tratamento agronômicos e a nossa vaquinha também precisa de cuidados veterinários. Ela também precisa de pessoas que cuidem da vaquinha, que tirem o seu leite, seja pelo método manual ou mecânicos. Em seguida passa por alguns processos até chegar ao vasilhame que é colocado em locais combinados parra ser coletado por um caminhão que o entregará para um pasteurizador. Parte dele é ensacado, outra parte vai para o fabricante de manteiga, outra parte vai para o produtor para outros produtos derivados do leite, até chegar no supermercado e ser colocado naquela prateleira refrigerada onde a minha filha chega para adquirir o potinho que deseja. Por quantas mãos a manteiga passou, desde aquele que preparou o bom pasto até a minha mesa?

Por quantas mãos este produto - que não é essencial para mim – passou? O ganho destas pessoas, resultado do seu trabalho, foi utilizado para prover a sua subsistência? Alimentação, saúde, vestimentas, lazer...

Passar a manteiga que eu gosto para passar no meu pão é considerada não essencial porque eu posso passar sem ela. No entanto para mim é essencial, como é essencial a cachaça para quem gosta de tomar o seu trago.

Quando o burocrata começa a determinar o que é essencial e o que é não essencial tranca estas relações de produção e consumo levando a sociedade à um caos pior do que a pandemia que juram combater.

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