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Morretes, os sinos e os sineiros (*).
Mauro Cherobim

Cada vez que chego em Morretes, sinto nos meus ouvidos os sons dos sinos da matriz: quando tristes, entristeciam os morretenses; quando alegres, alegravam a todos.  Cada “música”, isto é, cada batida, identificava uma atividade religiosa, mas também havia uma batida para a comunidade.
Sou de uma geração que nasceu e se criou ouvindo os sinos da Igreja Matriz. Eu fui um dos sineiros da Igreja.
Na torre da Matriz havia quatro sinos, numerados do menor ao maior, em primeiro segundo terceiro e quarto. Cada sineiro se especializava num deles. Os primeiro e segundo sinos eram os “de repique” e eram tocados por um só sineiro e era quem dava o ritmo. O quarto fazia um acompanhamento, surdo, e era o responsável pelas e emoções. As tristezas e as alegrias. O terceiro intermediava o “diálogo” dos sinos menores com o “solo” do quarto. Ao toque dos sinos a cidade ficava alerta: alguém havia falecido. Quem? Logo a notícia se espalhava. E assim eram todas as batidas, cada uma anunciando um acontecimento, uma atividade. Era a forma de como as informações chegavam aos moradores de uma cidade com cerca de cinco mil habitantes.
Quem eram os sineiros? Eram meninos no início da sua adolescência. Coroinhas. Mas não eram todos que ficavam com a chave da porta da torre, como não era qualquer um que “tocava sino”. Para tal, teria que ter a autorização do responsável e ser de confiança do padre.
Os mais experientes treinavam os novos. Os antigos, já adultos, eram citados como exemplo pelos “instrutores” aos aprendizes. Os mais citados, na época, eram Osman de Oliveira e Airton Onoles. Havia o Ari Bicudo e alguns que no momento não lembro outros nomes, mas sempre havia uma dupla ou um trio. A dupla que mais se destacava era a “especializada” nos dois sinos menores e no maior. Por muito tempo eu fiz parceria com Valdinho Colodel. Ele nos dois menores e eu no quarto sino.
Osman e Airton, até onde alcança a minha memória, foram os últimos coroinhas (sacristãos) do Pe. Severiano. Eu e Valdinho fomos do primeiro grupo de coroinhas do Pe. Camargo. Relembrando, a partir de hoje, o Pe. Camargo fez tudo para apagar da memória as lembranças dos seu antecessor.  
Os coroinhas tinham outras responsabilidades na Igreja e por isto eram os que mais se destacavam como sineiros. Não sei nas gerações passadas, mas o padre nos remunerava. Também éramos sineiros da Igreja de São Benedito, que tinha como capelão o Sr. Roberto França.
Muitas vezes a dupla estava livre para bater sino. Quando somente um batia o sino, repicava os sinos menores com as mãos e o maior com a corda do badalo amarrada num dos pés.
A sonoridade antiga que sinto nos ouvidos contrastava com a batida monocórdica atual. Numa das minhas visitas a Morretes convidei Valdinho para transmitirmos o nosso conhecimento para os meninos e meninas atuais. Não foi possível porque, segundo lhe informaram, havia mais de um sono rachado.
Faço um convite aos morretenses para arrecadar fundos para recuperar os sinos; eles são da comunidade.
(*) – Publicado, originalmente, em Morretes Notícias, Edição nº 2, janeiro de 2007.

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